domingo, 18 de fevereiro de 2007

Obediciência




O espaço que habita entre dois corpos torna-se legítimo
após uma onda desproporcionada de silêncio.

E torna-se insustentável a falta de saúde de quem dialoga
de si para si às três da manhã quando do lado de fora da janela
caem pedras de gelo em forma de canção.

O ar sabe a impasses do sol ao subir
no esquálido frio da madrugada que dança
o silêncio das árvores - pares no baile da alienação mental.

Sugam-se as mãos dos semblantes
numa luta de cravos e pombas brancas.

"Até quando poderei suportar a minha própria ausência?"*

Cada palavra é como se fosse um grito exigido à força por alguém
que ronda a dificuldade de quem outrora foi artista na mestria da escrita.

Alguém que arquiva meticulosamente as fotografias tiradas
por um detective diário e que deseja regressar ao pequeno habitáculo
onde esperava um outro alguém que nunca chegou a prometer que vinha.




(...)

Já se passaram centenas de dias desde que me lembro estar em forma de corpo e em união com tudo o que sempre me acompanha. Faço-me crer que debruçar-me demasiado tempo sobre o mesmo pico abismal já se tornou o meu lar único e fiel. De já ter caído tanto e tão fundo e mesmo assim não apresentar marcas de cortes e de tombos num trajecto descendente, faz com que de cada tombo nasçam novos quilómetros de abismo que insistem em afastar-me do chão que tanto me amparava. A verdade cria um cansaço latente que me circunscreve os membros e me faz observar de fora e de dentro o que faço, como me movimento e como precisarei eu de alternar a equidistante obediciência dos candeeiros nocturnos que se desligam quando pressentem a minha presença.


Estamos perdidos.


Irremediavelmente perdidos na deambulação insone de todas as noites.


*frase de Al Berto, Poeta


Sérgio Ribeiro e Maria Rocha, 2007

1 comentário:

Rei-Povo disse...

sim. perdidos.

mas encontro-me contigo nas palavras. mais uma vez, obrigado*