terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

(S)ala psiquiátrica

[...

x - É humano regressar àquele barulho característico das navalhas a roçarem uma na outra.
A ordem é desigual. Pouco importa qual a navalha que te conhece melhor as falhas da pele e aquela na qual o teu reflexo se extingue. De todo o processo, isso é o que menos importa agora.
Vês aquela contra-luz na parede?
Aí... nesse exacto local onde acaba a sombra e começa o objecto real.
Concentra-te.
Respira fundo... e grita.
Isto és tu a esmurrares a parede e todos os insultos com um grito seco e ao mesmo tempo arranhado de uma voz que já se tinha esquecido da elevação certa.......................

y - Merda, a minha cabeça vai rebentar. Vai. Sei que sim. Sinto uma veia que insiste em ser bombeada com sangue e pregos com uma aceleração anormal...

(Pausa)

x - Lembras-te de quando me conheceste?

y - Lembro. Tu ouviste a palavra pregos?

x - De que te lembras tu?

y - Lembro-me de te conhecer num dia, num mês e num ano. Num local e com pessoas a assistir. Pessoas que serviram como testemunhas perante todas as outras que, infelizmente, não puderam comparecer no acto. Pregos. Pregos... Pregos.

x - Lembras-te disso?

y - Dos pregos? Estou a senti-los neste momento.
(faz uma pausa e leva a mão direita à cabeça)
Lembro-me... de teres pedido um café e de não o teres bebido.
Deixaste o café, a chávena e a colher arrumados a um canto da mesa e quase jurava que os tinha visto aos três a combinarem atirar-se mesa abaixo... (ri-se). Lembro-me do empregado de mesa que espiava todos os items que nos tinha gentilmente fornecido.
Lembro-me dele... de como a sua expressão exalava angústia.
Lembro-me de pensar no que faria ele se não estivesse ali naquele momento a vigiar todos os objectos que tinha previamente...Ahhhhhh! Não me lembro, está bem?
Não me lembro de quem és.
Não me lembro de como cheguei aqui e muito menos do dia em que conheci alguém a quem não reconheço a voz, os olhos, os lábios e entrada aqui neste momento.

x - É incrível... a tua imaginação continua... Espera. Tu... gritaste? Diz-me que não. Não, diz-me que sim. Ou... confirma-me.
Descreve-me isso e, sobretudo, explica-me como se faz...

y - O momento é este. Tu estás à minha frente e começas por segurar com a mão esquerda um copo, não com a direita. Seguras, então, com a mão esquerda um copo. Ninguém está realmente interessado no líquido do copo. Aliás, ninguém está realmente interessado no copo e por que razão o seguras tu com a mão esquerda quando,
na verdade, todos sabem que és dextro.
E o momento é o mesmo apesar dos segundos de todos os presentes na sala já se terem esgotado nessa falta de assunto que lhes corre nos cérebros.
E agora, é ver-te a comandar a massa cerebral alheia como quem pede a alguém que se mate gentilmente; que se decapite mas de forma a não sujar os novos estofos das cadeiras. Contra a parede exibe-se um corpo pendurado com os orgãos a espreitar e ao virar da esquina ouve-se o ruído final das navalhas a serem afiadas novamente.
Junto à parede está um martelo com algumas gotas de sangue...........................



...]
Maria Rocha, 2006

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