domingo, 8 de abril de 2007
Sem cara
há alturas em que não tenho cara e sorrio nas minhas entranhas.
tresloucadamente. satisfatoriamente. calmamente.
limpo-me com as mãos e finjo brincar com o ar e com os pássaros.
sem cara.
sempre fui assim. abandonei-me inúmeras vezes para poder
reclamar esta casa vazia como minha.
prefiro-a assim. silenciosa. pacífica. de modo a que
mais ninguém partilhe do mesmo que me corre pelo corpo.
em tempos, tentei negar. agora já nada importa.
consegui avançar e retroceder e regressar ao ponto
onde tudo começa.
incrível, não é? talvez nunca ninguém me compreenda
e é exactamente isso que exijo. que nunca ninguém descubra
o meu segredo de permanecer invisível ao assumir
milhares de identidades em todas as vidas que vivo.
é fácil fazer as contas, creio.
pretendo e é isso.
amanhã não te vais lembrar que passei na tua vida.
mas eu... sim.
há alturas em que não tenho cara e sorrio nas minhas entranhas.
tresloucadamente. satisfatoriamente. calmamente.
sem cara.
Sérgio Ribeiro e Maria Rocha, 2007
Publicada por
Maria
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