quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Cadastrados




Se tu soubesses quantos crimes já passaram pelas minhas mãos, quantos corpos já afaguei depois de eu ter cometido os crimes. Um corpo vazio em que os gestos são e estão perfeitos. Todas as armas previamente arrumadas num canto da rua onde tu vais passar. É um ruído ensurdecedor este. O do silêncio. O que sufoca todas as palavras que se querem suicidar.


Reconheces a minha doença?


Depois de partir, diz-me se te vais lembrar das vezes em que escondi as armas. As pontas dos meus dedos estão vestidas de vermelho e mergulham fundo nas feridas na tentativa de encontrar uma espécie de túnel e que nesse túnel esteja o trilho do que te foi pedido encontrar.

A motivação é nenhuma.


Estamos todos fartos.


Fartos de abrir o peito devagar e de que este se consuma a si mesmo pelo esquecimento. Está aberto... como todos os caminhos que levam uns tantos corpos a todas as facilidades que parecem prometer a saída desta rua sem saída, sem sentido sequer. Quatro paredes mas sem tecto... quatro paredes que não têm fim mas que lhes consegues ver o céu ou aquilo que parece sê-lo. O meu caminho não é falar-te. E o teu caminho não é, nem nunca há-de ser, o de me ouvires.


Vou-me comprometer.
Sei que sim.


Vou, devagar, apertar mais um pouco a corda e tudo aquilo que eu não digo vai ficar escrito na cabeça de alguém.



Maria Rocha, 2006

7 comentários:

Rei-Povo disse...

pois, sabes que sim. somos nós os criadores do nosso trilho. cadastrámo-nos.
perfeito *

Sara Almeida disse...

oh minha querida adorei este teu poema. Sim, aquilo que fazes com as palavras e com a vida é poesia.
Um Beijo de Saudade

Sara

|___XyZ___| disse...

"É um ruído ensurdecedor este. O do silêncio. O que sufoca todas as palavras que se querem suicidar."

Como se nao fosse suicidio interromper o silêncio com palavras...

Continuo a ler-te e a gostar disso...

Abraço,

Maria disse...

Sérgio, 'sabes que sim'. E continuaremos no mesmo trilho até que.

Beijo.

Maria disse...

Sara, minha querida, será que é isso mesmo? Será poesia o que fazemos com a vida também?

Eu, não sei. Mas arrisco-me a dizer que tu o fazes. E tão bem.
Tem sido tão bom descobrir-te. E descobrir todas as pessoas de que já falámos. Sobretudo da forma como tem sido. Talvez sejam segredos que estamos a descobrir.

Um abraço.

Maria

Maria disse...

Mário, obrigada.

Abraço.

Sara Almeida disse...

Minha querida amiga e companheira de palavras a Vida é Poesia... Basta sabermos como a utilizar e como a observar.
Atrevo-me a dizer que nós utilizamos essa poesia nas nossas palavras escritas enquanto outros a utilizam na preparação de uma simples refeição. Se não existissem esses pequenos prazeres de cada um de nós a poesia não existia. :)
Obrigada querida.

Um Beijo

Sara