terça-feira, 5 de dezembro de 2006

Tríptico dos Elementos


nunca soube se o mar é salgado.
nunca tentei colocar o meu dedo
sobre a água, sem o afundar.
nunca quis.

nunca armei laços com força.
nunca tentei juntar-me ao ar
e vivê-lo, tornar a memória memória.
nunca soube.

quis antes que ardesse todo o mar junto
com a terra enquanto lutava sofregamente
para que o ar não me invadisse a caixa
que me compõe este habitáculo forrado
de pele.

mas tremi, quando o céu invejou
a novidade do meu punho - larguei-o
sobre o mar e ele navegou.
ainda olhei a carcaça do sol, quando ele se
pôs. no entanto, nao fui a tempo de ele me iluminar.
nunca te senti.

senti apenas o ricochete e o estrondo da força
do meu punho, da minha mão contraída e que
devagar se apoderou de toda a extensão
que os meus olhos abraçavam do limite em que o
mar se confunde com o céu. o sol nunca se transformou
em lenha que nos aquecesse. nunca nos sentiu.

até as flores se ressentiram, murchando em catadupa,
numa catástrofe de beleza morta. foi pintada
nos prados de uns olhos que já não mais
o sol verá, nem mesmo se se erguer mais alto que
a minha razão.

(uma razão ferida pelo necrófago tempo)


nunca soube se o mar é salgado
mas já o provei através das tuas lágrimas
depois das noites de punhos improvisando
o amor que nenhum dos elementos me soube prover.


Sérgio Ribeiro e Maria Rocha, 2006

(fotografia da autoria de Sérgio Ribeiro)

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