quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Rascunho


Isto de começar a convidar-te a ler o que quer que me satisfaça a velocidade estonteante dos dedos sem te pedir permissão, sem avisar
é quase uma invasão de privacidade. Às vezes, analiso o acto deste modo.
Procuro as palavras em busca de uma fórmula perfeita, mas acabo sempre por ir ter à mesma rua mesmo que me tenham vendado os olhos. O que acho que não sabes é que tenho quase a certeza que o meu lugar sempre foi este e sempre me projectei assim. Já te disse antes, mas sempre me vi aqui, a comandar as tropas na penumbra sem me importar que me reconheçam, apenas só a saber que sou eu que os faço mover. Ninguém alinharia nestes meus pensamentos soltos, dispersos, perdidos (sinónimos, adjectivos, palavras... tudo debaixo dos dedos e das nossas línguas) como tu. Só preciso que me dêem paz de espírito, algum conforto humano. E tenho tido muito disso. Sem esforço. Sem ter de pedir. Já reparaste como até os timbres das nossas vozes são calculadamente aproximados? Diferentes mas que encaixam, que, de formas distintas, mantêm a atenção pressionada. Eu diria mesmo que andámos em palcos velhos antes e que isto das almas estarem cansadas se deve a essas viagens um tanto loucas que fizemos. A lei da reciprocidade actua e serve-nos tão bem. Nunca consegui pintar-te a tela que te prometi tal como este nunca será o texto que eu acho que consigo fazer nascer de mim para ti. E prefiro manter as coisas assim. Armar-me em criança e achar que se não acabar as coisas, as coisas também nunca acabam. Sim? Eu sei que me entendes tão bem que continua a deixar-me sem chão quando me afasto um pouco disto tudo e tento observar o que é isto afinal. Não me lembro de quase nada do que foi antes de ti. Tenho breves memórias apenas. O que sei é que fazes parte de mim. De uma forma renovada a cada nova vez que te penso, que te falo, que te acarinho há algo que me faz querer conhecer-te de novo, apresentar-me de novo e sentir que seja lá o que vem por aí que se aguenta. Acho que li algures em entrelinhas de textos soltos que devia aguentar, que devia arrastar os pés com mais algum esforço, pois a recompensa chegaria. Deveria dar-te o prémio - se o houvesse - de pessoa que mais me tocou, mais me toca, mais me supreende.
Tudo o que sou não passa de um rascunho temporário que vai permanecendo e acaba por ficar tal como está. E se queres saber, não me importo muito. Interessa-me que estejas aí e que eu esteja para ti.
Faz sentido que estejamos cá há muito tempo e que nem saibamos.
Podemos sempre combinar um café daqui por uma centena de anos, se quiseres. E sem dúvida que mesmo que estejamos diferentes outra vez te vou reconhecer. E outra vez. E outra. Vez. Tudo. De novo.

Prometo-te que faremos tudo pela primeira vez... para sempre.


dedicado


Maria Rocha, 2008

4 comentários:

Vanessa Lourenço disse...

Way too personal answer, so check your email my love.*

pedro manuel magalhães de andrade disse...

"Só preciso que me dêem paz de espírito, algum conforto humano. E tenho tido muito disso. Sem esforço. Sem ter de pedir. Já reparaste como até os timbres das nossas vozes são calculadamente aproximados? Diferentes mas que encaixam, que, de formas distintas, mantêm a atenção pressionada." - bom. invejo esse talento. *
ps: glad you liked mout eerie.

Di* disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Di* disse...

Todos somos rascunhos que acabam por permanecer...Louco é aquele que pensa um dia vir a conseguir aperfeiçoar a sua prosa.
Tenho visto que são raras as excepções a quem a vida o permite.

É sempre quente o abraço da tua escrita...

Outro grande, para ti *