A Sombra:
A sombra era mais pequena que o corpo e isto acontecia sempre e não apenas quando observado de um determinado ângulo. Quase que se dobrava em vénia, quase que em receio de si mesma. Andava atrás do corpo mas parecia que se houvesse a pequena hipótese de se dissipar, assim o faria imediatamente.
O Corpo:
Consistia num sistema de membros, tronco e cabeça e todos os extras que qualquer humano possui. O sexo era só um e não haveria a súbita hipótese de mudança.
- os membros:
arrastavam-se de dentro de botas em tempo de calor e traçavam o caminho recto e mais que exacto de quem segue invariavelmente para dentro do abismo.
- a cabeça:
andava a servir de sombra para parte do peito - a parte esquerda, com mais exactidão -, e
surgia de tempos a tempos escondida por entre olhos cabisbaixos e que, momentaneamente, assumiam as posições letais dos assassinos de part-time.
A Causa:
Tudo o que fizera até ao exacto momento que insiste em escapar-se-nos entre os dedos não fora mais do que um entretimento de quem dorme a julgar que amanhã encontrará a razão de tudo. O porquê de ter nascido, o porquê de ser homem ou mulher, o porquê de sentir que num dia o peso de todos se pode abater sobre si a qualquer momento e o porquê de no instante seguinte ter a pura vontade de sair porta fora, esmurrar a pessoa que mais ama naquele instante e depois pedir-lhe perdão a sorrir.
A sua vida é um esboço em bruto do que realmente pretende ser. Muitos acreditam piamente que será Grande e que viverá longos e brilhantes anos a tentar descobrir o que raio faz para ser detentor num espaço na linha temporal da vida.
Contaram-me que o segredo talvez seja o facto de todos os dias se esquecer de si e de se tentar matar de todos os modos possíveis. A inconstância passa pelas tentativas falhadas ou conseguidas. De cada vez que tenta morrer, é-lhe dado mais e mais tempo.
A Causa?
Nunca vos disseram que morrer é estar mais vivo que nunca nos momentos que precedem a morte?
Maria Rocha, 2006
4 comentários:
A consciencia da chegada da morte, deve ser aterradora e deve gerar energia para por a funcionar, apenas nos minutos que restam, tudo aquilo que em nós já tinha deixado de existir/trabalhar.
Gostei muito do texto.
Tenho saudades já das tuas palavras...
Um Beijo
Sara
Está soberbo mesmo...
"Contaram-me que o segredo talvez seja o facto de todos os dias se esquecer de si e de se tentar matar de todos os modos possíveis."
Gostei muito. Bjs* e bom fim-de-semana
Dona Maria :] Os meus mais sinceros parabéns. Este texto agrediu-me verbalmente, cuspiu-me na cara e deu-me um murro no estômago. Muito Bom mesmo. *
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