terça-feira, 24 de junho de 2008

Curta



"Nunca mais soube de ti. Nem tão pouco me lembrei de me lembrar.
Chega a ser incómodo arrastar a memória temporal tanto tempo atrás.
Pergunto-me se as nódoas negras e a marca de cordas no pescoço
fazem parte da encenação. Há pessoas que fingem tão bem estar mortas
que só por isso o mereceriam, não achas?"




Quando fazem por nos apagar acredito que devemos saber sair de cena
sem causar grande alarido. Sair em bicos dos pés e apagar as cenas
em que as personagens se cruzam.
Apagar as didascálias que nos recordem
disso e dar espaço,
talvez para sempre, como assim o desejam.

Deve ser a alternativa mais correcta para que quem se encontra
do outro lado
do pano ou mesmo da assistência consiga reflectir que esta é só mais uma forma de não violar a liberdade de ninguém.
Ser livre magoa se uma das cláusulas for a da recusa da amizade genuína de alguém.


Talvez mais tarde alguém me explique a razão de recusarem um ombro honestamente fiel e amigo, virgem de mágoas. Talvez me consigam ensinar que o trilho que percorremos é sempre mais atribulado do que os quadros de parede.

Quando se desiste de alguém desiste-se também de nós, um pouco.


Maria Rocha, 2008

8 comentários:

Thiago disse...

Todas as pessoas têm as suas razões de viverem. Todos pensa-mos de modo diferente, opera-mos e vaguea-mos por entre a vida.

Alguns de nós são actores e outros assistem de bancada, como deuses perdidos e incompreendidos no mundo que temos.

Dentro de cada um a perda de algo ou alguém que nos foge pelos dedos não significa que falha-mos. Mas que fomos incapazes de acompanhar essa pessoa ou vice-versa.

********

anya disse...

"Quando se desiste de alguém desiste-se também de nós, um pouco."
É bem verdade. Nem sempre é fácil, mas há momentos em que não pode ser doutra forma... **

Vanessa Lourenço disse...

Acho que tu e eu partilhamos muitas coisas: realidades, pensamentos, corações, palpites e coisas que nem recordamos. Eu perco um pouco de mim quando desisto de alguém, mas se o faço, tu sabes, é porque me ultrapassa aquilo que sinto. Mas sei que há pessoas que nunca hei-de "desistir" e tu minha velha alma companheira, tu ergues-te e eu delicio-me com teu "eu". Um beijo imenso minha menina de caracóis revoltos.***

JSP disse...

Isso soa quase muito verdade.

Marta disse...

Este está muito bem dito. Este está mais verdadeiro do que muitos que tenho lido por aí.

Este está daqueles de acabar de ler e ter a boca tão cheia de palavras, que de tão cheia só conseguimos balbuciar "...é verdade."

Beijo

Di* disse...

estou aqui,
a ler-te,
a sentir-te o abraço,
a perguntar-me se ainda fazem sentido estas palavras de ausência,

quando o tempo passou e parecemos a névoa de algo que foi.

Sinto que te falhei.
Temos falhado,

E o pior é a falta de razão.

Beijo para ti, Maria

Maria disse...

thiago: Não podias estar mais certo. *

anya: Fácil é um adjectivo cada vez mais difícil. :) Se calhar é disso que temos de nos capacitar e talvez tudo se torna mais simples (não menos fácil).

vanessa lourenço: Tu sabes tudo o que vai dentro, lês-me sem que tenha que abrir a boca e duma maneira que não consigo entender dás-me muita vontade de continuar. De continuar. Tudo. Não há palavras para te descrever, para dizer quanto gosto de ti, que te amo do fundo.*

j...: É a minha verdade, pelo menos.

marta: :) É bom saber-te aqui. Este está mais terreno, mais verdadeiro... é como encaro os teus textos, são sempre assim... verdadeiros e fazem-me reflectir e agir, consequentemente. Fazes uma diferença enorme no meu trilho, mesmo que distante. *

di*:

Tenho - sempre tive - muita coisa para te contar... continuo a ter. E anseio por te contar tudo, que me possas dizer que fiz bem e que, apesar de tudo, continuo a mesma pessoa que conheceste. Acho que já mudei, bastante. Não estou mais fria, mas acho que mais consciente de mim e que tenho de gostar de mim para me poder respeitar. É verdade que preciso de te falar... seja de que forma for. É a diferença que tens das muitas pessoas com quem me cruzei nesta curta existência; tu fazes-me falta; marcaste-me. O que partilhámos foi só um terço do que poderíamos ter partilhado e do que poderemos partilhar. Se calhar também eu falhei. Sei que falho constantemente. Mas sabes bem que se assim é então que falhemos, mas melhor. ; ) (Beckett)

E continuas aqui dentro. Não há razão nenhuma que apague isso.
Gosto de ti, muito.*

Joana. disse...

Quando se desiste de alguém, acredito que também desistimos de nós, porque revelamos a nossa fraqueza. Mas quando deixamos a pessoa partir, então significa que queremos estar bem connosco e então, sim, apostamos em nós!

É só uma pequenina diferença que pode fazer algum sentido para alguns.

Beijinhos :)