quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Cadastrados




Se tu soubesses quantos crimes já passaram pelas minhas mãos, quantos corpos já afaguei depois de eu ter cometido os crimes. Um corpo vazio em que os gestos são e estão perfeitos. Todas as armas previamente arrumadas num canto da rua onde tu vais passar. É um ruído ensurdecedor este. O do silêncio. O que sufoca todas as palavras que se querem suicidar.


Reconheces a minha doença?


Depois de partir, diz-me se te vais lembrar das vezes em que escondi as armas. As pontas dos meus dedos estão vestidas de vermelho e mergulham fundo nas feridas na tentativa de encontrar uma espécie de túnel e que nesse túnel esteja o trilho do que te foi pedido encontrar.

A motivação é nenhuma.


Estamos todos fartos.


Fartos de abrir o peito devagar e de que este se consuma a si mesmo pelo esquecimento. Está aberto... como todos os caminhos que levam uns tantos corpos a todas as facilidades que parecem prometer a saída desta rua sem saída, sem sentido sequer. Quatro paredes mas sem tecto... quatro paredes que não têm fim mas que lhes consegues ver o céu ou aquilo que parece sê-lo. O meu caminho não é falar-te. E o teu caminho não é, nem nunca há-de ser, o de me ouvires.


Vou-me comprometer.
Sei que sim.


Vou, devagar, apertar mais um pouco a corda e tudo aquilo que eu não digo vai ficar escrito na cabeça de alguém.



Maria Rocha, 2006