quarta-feira, 30 de maio de 2007

Seria a facilidade



seria a facilidade da perfeição
a vigiar-nos os passos
se
os teus olhos escorressem

por mim abaixo sem que mais
ninguém (nos) tivesse acesso

(és) o vasculhar dos sentidos
perdidos entre as dores
dos que correm sem
aquecerem os músculos

(és tu) a facilidade
do peito a derreter
todo o inverno
dos nossos trilhos

talvez sejamos uma
palavra no sítio errado
mas ainda assim uma palavra
em união com o mar a soprar-nos
ao ouvido

é o mar que te ocupa as veias
e ambos sabemos disso

(és) transparente como a água
e a lama é a tua camuflagem

e isto é apenas um punhado
de frases desgovernadas
que viajam a uma velocidade
fora da lei

como o pretensioso crime
de dar lugar às palavras
sabendo que depois se
acabarão as mensagens
subliminares

é o desejo da eternidade
que nos mantém em plena
e contínua suspensão

e hás-de negar tudo
no silêncio
que já decifro há muito



Maria Rocha, 2007

terça-feira, 22 de maio de 2007

Imensurável



Há coisas que não fazem sentido durante anos e que, a partir do momento em que se fundem no hábito, acabam por ser esperadas e, assim, fazer sentido.
Se o inesperado se regesse por relógios, talvez eu soubesse quando te sentas num qualquer banco de um dos entre muitos jardins que conhecemos, e te surpreendesse no minuto em que vislumbras o banco.

Revelas distanciamento ao convidar desconhecidos participantes de outros enredos a habitarem ocasionalmente os teus manifestos.
É como que uma lei a decretar que mais depressa os estranhos te preenchem que alguém que faz por chegar ao teu peito.
No fundo, só aqueles que te tocam na ferida externa, a que é visível e compreendida
por todos, é que merecem a tua atenção, o teu carinho e, por fim, o teu amor (próprio ou não), sendo que te revês na descrição da ferida que eles sentem.Tu és apenas mais um corpo com ossos que partem, com carne que é facilmente sangrável
e com uma mente, por vezes, fraca.
E és, acima de tudo, influenciável.

O que não sabes é que só tu comandas o grau de influenciabilidade que te afecta.
Não sabes também que, por mais ossos que partas, por mais sangue que percas,
depois de tudo, vais sobreviver.
Não sabes porque há muito tempo que riscaste essa certeza.

Voltemos ao nós.

E, curiosamente, a palavra serve-nos duplamente.
É de forma alternada, como quem respira ofegante, que nos serve a proximidade e distância.

É todo um caos que nos protege e acho que mais ninguém o entende. Serve-nos bem.
Fatalista, realista e polvilhado de romance... defeituoso, mas romance.

Um dia disseste-me que o expoente do ideal seria conseguirmos não conversar
em silêncio, como fazemos muitas vezes, mas sustentar um diálogo sem verbos mas que mesmo assim houvesse a intenção falada de acções.

Sim.

Monocordicamente.


Maria Rocha, 2007

Ciografia



É quase apaixonante o acto de ter a plena consciência de que o momento está a acontecer no instante em que acto decorre. O mesmo se diz das viagens dobradas e simultâneas que os olhos executam quando se comunicam. Tantas vezes as palavras se rendem e estendem passadeira vermelha ao silêncio que as alberga como a um refugiado de guerra. E tantas são também as vezes que se aparenta ser paz quando o nome grita revolução. Suportam-se tantas realidades quanto maior for o buraco no peito. Mas sempre em crescente implosão e em que se deseja intimamente que nunca pare de implodir. Do que mais falar, senão do que se conhece? São tantas as probabilidades de se iniciar um diálogo ou mesmo um monólogo.
Na minha cabeça, são bem mais essas as probabilidades do que nos rendermos a uma conversa silenciosa entre o ar e os nossos pensamentos soltos. E todos os dias criamos dois percursos distintos. Um deles arrastado pelos nossos pés e em que se desliga a opção de improvisação. O outro é apenas a nossa cabeça que se desliga de nós. Será possível tudo isto decorrer com uma noção real e ao mesmo tempo com um desprendimento de tudo, de todos e, principalmente, de nós mesmos? É tão possível ser verdade quanto a questionável verdade se haverá extra-terrestres, como se formou o mundo e onde raio pertencemos nós, afinal.



Maria Rocha, 2007

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Revista Literária Callema

Callema #2

Capa Callema #2

Estreada em Novembro último com capa votada a Yolanda Castaño, rosto cimeiro da mais recente poesia galega, que, entre outros, tem vindo a revelar nomes como os de Olga Novo e Estibaliz Espinosa, a revista literária *Callema* conhece em Maio o seu segundo volume, "Nuno Júdice: da noção de poema às coisas mais simples", título da entrevista ao autor de *Pedro, Lembrando Inês*, conduzida por Elisabete Marques. Inaugurando uma nova secção, *Photographica* – nesta primeira proposta com *ma femme s'appelle détail*, de Sophia Pereira – *Callema 2* volta a insistir nos imaginários e línguas várias de que o antecessor é habitado, e de que será porventura timbre o "Não há morte" de *Neófito*, desenho de Mário Cesariny até agora inédito, a fechar a revista.


Colaboração de Ana Almeida, Catarina Nunes de Almeida, Emília Pinto de Almeida, Ana Catarina Boto, Dulce Castro, Rui Díaz Correia, F., Tiago Falcoeiras, Luís Fernandes, Muriel de Walle Gomes, Rebeca Hernández, id, Nuno Júdice, Luísa Laureana, Lara Nuñez, Tiago Silveiro de Oliveira, Sophia Pereira, Maria Rocha, Ana Cláudia Santos, João Silveira. Edição de Rui Alberto, Hugo Milhanas Machado, Elisabete Marques, Nuno Silva, Ilídio J.B. Vasco. Direcção de M. Tiago Paixão.


O número um da revista Callema já se encontra à venda nas seguintes livrarias:

Livraria Buchholz
Rua Duque de Palmela,
41250-098 Lisboa

Livraria Escolar Editora
Faculdade de Letras Univ. Lisboa
Alameda da Universidade
1600-214 Lisboa

Faculdade de Ciências Univ. Lisboa
Edifício C5 - Campo Grande
1749-016 Lisboa

Edifício Caleidoscópio
Jardim do Campo Grande
1700-089 Lisboa


Cooperativa Literária

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Fantasma



Estou ausente de mim grande parte da minha vida.
Faço por estar.

Não tenho medo de mais ninguém senão de mim.
Já estou tão longe de mim que acho que habito agora o vácuo espaço dos que se perdem de si pelo caminho íngreme que é esta rua de um sentido apenas.
Sinto o corpo a cair no vício de não querer saber de si e nem isso me incomoda.
O medo a ocupar-me por completo.
O medo a ocupar-me por completo e eu sem saber o que fazer.
Habito uma noite por saber que só ela possui todo o vazio que não me desfaz.


Maria Rocha e Adriano Guimarães Sodré , 2007