quarta-feira, 27 de junho de 2007
Prefácio para a saudade
parte I - algum desconforto. o resto esborratado.
é inevitável que me faltem as guelras quando te sopro, as partes invisíveis quando te volto para
mim e te retoco ao pormenor. porque mesmo que seja interestelar este terror, saberei sempre
como o pousar. às vezes tenho esta vontade súbita de escalar migalhas, de beber oceanos ao contrário.
é como a irresistível memória trucidada, a inclinada
sinédoque:
sexo.
suor.
torpor.
(conhecemos todos os territórios virgens, é natural que saibamos também as suas falhas)
se soubesse que vinhas não te encharcava de perguntas, segurava-te o casaco enquanto
secavas todo esse desacerto. se uivasses primeiro, subiria três degraus para te ver à janela.
lá fora parecerias lá longe, lá longe não saberia como te chamar
(são como as palavras estes roucos entardeceres)
mas chamava-te à mesma, em hieroglífico tactear,
e o eco alimentar-te-ia os passos, o eco engrandeceria esse desvio, saberias que sabia
que são tantas as curvas que mais vale o estilhaço
(voltamos sempre às veias, voltamos sempre às veias, voltamos sempre até que nada reste)
mas digo-o de novo: se te soubesse as encostas, descia-te a pique, mergulhava de cabeça no sofrido vómito,
no óbito engarrafado no amanhã decapitado
(vou-me de novo e falta-me novamente a coragem de não voltar)
e no entanto sinto que és feita de tanto silêncio que ouvir-te cansa como irremediável vontade de labirinto.
parte II - o reconhecimento.
tudo isto é um reflexo (im)perfeito do espelho que nos cerca todas as vezes que voltamos à mesma casa delicada de inevitabilidades
bebes as palavras uma vez só e ficam-te a habitar para todo o sempre como se fizessem parte de ti
é mergulhar também num caminho desagregado de passos e amar dolorosamente cada esquina desconhecida e cada sombra
a minha voz perde-se e encontra-se num segundo trilhado pela viagem do tempo
(fast. forward. rewind.)
há uma urgência de socos em paredes brancas para te poder preparar para a crescente verdade
partiria todos os espelhos agora para manter suspenso o segredo da ingenuidade do silêncio
guardo-te dentro das mãos um par de palavras para o dia da decapitação,
poder-te-ia emoldurar todas as imagens,
todas as palavras,
todos os choros nocturnos e sussurrar-te o que já desconfiavas e logo depois morrer
só assim o peito se mantém vivo;
tem de saber que crescerá exponencialmente para logo depois desaparecer
é tal como eles dizem, uma doença incurável
a juventude está corruptamente inseduzível
mas mesmo assim escapulimo-nos das ondas de pessoas e roubamos todos os relógios
para poder desenterrar conspirações que transportam o sangue
falta-me também a mesma coragem para não regressar a esta espiral condutora a um ponto invisível que inventámos
a esta altura (que me encontro do chão) faltam-me os dedos e fogem-me os sentidos para enumerar as razões
perturbadamente arrebatadoras que me mantêm longe de tudo menos de ti.
Escrito por: Manuel Pereira e Maria Rocha
sexta-feira, 22 de junho de 2007
Preâmbulo
és uma arma carregada de possibilidades anónimas
que matarão o tédio, nada mais
quase que podia confessar que há
um magnético segredo por desvendar
que atravessará os anos que nos demorarmos
(é viver desmembradamente)
(re)descobri o regresso para o fim dos olhos
na acolhedora pausa temporal dos segundos
debruço-me sobre o resto do pensamento
para me antecipar a mim e à minha rapidez
confesso que nada é melhor que aquecer
o pensamento com as mãos dentro de água gelada
talvez seja uma omnipresença e uma omnipotência
em reclusão que se manifesta nocturnamente
à espera do cansaço numa esquina escura
para lhe pregar uma rasteira de morte
conheço a gravidez e o parto das palavras
que saem dos teus dedos e é circular este
viciante hábito de endereçar palavras
enfurecidas a estranhos remetentes
e estranhamente não tão estranhos assim
Maria Rocha, 2007
domingo, 17 de junho de 2007
Sonoite
são estrelas que caem aos pés da cama
e que me sussuram nuvens de fumo até
não conseguir cerrar as pálpebras
e
até fechar os olhos há viagens que me procuram
Maria Rocha, 2007
quinta-feira, 14 de junho de 2007
Remisso
são armas
que carreiam
longe,
à volta,
por cima
e
dentro do peito
que cercam a liberdade dos gritos sufocados
constroem-se ruínas de horas
desde que as palavras se tatuam com dentes
e
com sangue em detalhadas partes do corpo
é o inumerável desejo de ser inconveniente
para que nunca mais nos esqueçamos de desligar a luz
de presença todas as noites
alguém rangerá os dentes à mesma hora com o ruído
mórsico de um ódio crescente à nossa presença
é talvez o desistente gesticular que nos denuncia
em cada plano desenhado, arquitectado e, inocentemente,
amado
ninguém saberá (nunca) o que nos habita
as portas de casa estão escancaradas e isso nunca reservou
curiosidade
invadem-nos, é certo, mas nunca capazes de nos atravessar
(nunca) ninguém provará o nosso inextinguível sangue
Maria Rocha, 2007
quarta-feira, 13 de junho de 2007
Surdinez*
é em sincronia que se vertem dedos em forma de frase.
construiremos uma ponte entre as nossas bocas.
diremos o indizível quebrando o silêncio das canetas,
entregaremos em mãos as palavras que funcionam
invisivelmente.
és tu a ocupar-me os olhos.
(* da junção de surdina e de ceguez)
Maria Rocha, 2007
Perscrutações
nasce a efémera impossibilidade
das árvores engravidarem de flores de março
O copo de água alinhado com a caneta de reserva.
antecede-me o tempo
em que terra firme
se desfaz
se transforma
se envolve
por entre as pedras
rotas da calçada
da cidade
O bloco confia o silêncio ao portador - concede-lhe tudo.
são ossos que nos protegem
da última explosão do sol
O ritmo é cadenciado, doloroso e cordialmente sincero.
a cidade continua destruída
e há vestígios de mar
no último andar dos prédios
O copo de água não é adereço. Está, agora, quase no fim. E foi, entretanto, saboreado como se fosse uma onda gigante em contínua devastação.
ressuscitam palavras
onde imagens de alucinação
cedem lugar à ineficácia do vácuo
Um mundo de caos através de uma voz incapaz.
são facas nos olhos
e um coração fora do lugar
Em espiral renascente.
Maria Rocha, 2007
Subscrever:
Mensagens (Atom)