quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

(Laurel Thouin)

disseram-me que nascia sozinho, que vivia sozinho e que, impreterivelmente, morria sozinho. pergunto-me quem seriam todas aquelas sombras aquando do meu primeiro suspiro e todas as outras com quem me cruzei até hoje. porque, para mim, são sombras. as cores vêm depois quando consigo vislumbrar os olhos, os milhares pares de olhos que me evitam há tanto tempo. então é assim: eu vou fazer de conta que estão todos aí no escuro mas não vou ter medo dele. vou reinventar o conceito de medo e vou destronar todos os receios que tenho. quando somos pequenos temos sempre alguém que nos dê a mão, que nos puxe os lençóis à noite e nos dê um beijo na testa antes de adormecermos. quando crescemos as pessoas deixam de dar abraços por terem receio de sufocar os outros, porque, pelo facto de não os darem há tanto tempo, esquecem que é preciso dá-los para que os possam receber. mas vamos esquecer isso também. o que eu advogo hoje é que não me importo de estar sozinho mesmo que esteja no meio de tanta gente quase sempre a pisar-me, quase sempre a dar-me uma mão, quase.

Maria Rocha, 2009

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009



Na minha assunção do que eu entendo por obras (depois do conceito ser desconstruído), compreendo que nas bases ficam sempre restos do passado. Apeteceu-me apagar tudo, como já fiz antes. Rasgo por rasgo, apetece-me agora que fique. De um modo muito peculiar também é um testemunho de que por cá tenho andado, que tenho crescido. Mesmo que não faça parte de mim a evidência de existir. O que importa, em última instância, é sempre o que fica para mim. Lamento, mas é secundário tudo o resto. É só uma confissão elevada e exagerada de um dos extremos que me mantém na linha do equilíbrio. A minha mente sempre foi a matéria-prima de tudo o que escrevi. Começa sempre por ser um desabafo, normalmente adolescente, na terceira pessoa, vestido de metáforas que não deixam perceber quase nada do que se passa cá dentro. Sabe-se que se sente tudo de forma elevada e sofrida. E faz parte, não é? Mais tarde, visita-se aquela parte de nós e é quase nostalgia, quase como se não fôssemos bem nós. E já não somos. A poesia ou o quer que lhe chamem que costumava nascer de mim parece que foi viajar tranquila. Não importa. Nestes dois últimos anos tenho feito um esforço por mudar o rumo do sujeito poético, o enredo, o resultado... E, pelo caminho, tenho-me deparado com palavras de outras texturas e de forma real que me têm prendido, me têm feito sentir e sofrer da mesma forma adolescente de antes. Se forem apologistas daquelas to do lists e tiverem essa ordenação mental em voga, fazem uma ideia do que eu também trago em cada veia que me compõe. A verdade é que, apesar de tudo, não há quase nada que eu queria fazer que ainda não tenha feito. Posso considerar-me uma sortuda. Com algum auxílio dos que me rodeiam, sim. Mas - e permitam-me - sei bem os passos, as consequências de todas as escolhas que tenho feito. Reserva-se sempre uma grande margem de manobra para o acaso interceder, para o inesperado se insurgir, se assim o quiser, mas também, apesar dessas variáveis todas, me tenho safo de tudo praticamente sozinha. As rasteiras que já preguei depois de me terem atirado de precipícios tão altos... não posso mentir e deixar de dizer que há uma parte de mim que aprendeu, desde muito cedo, que nas sombras, nos locais menos iluminados se esconde uma beleza, uma verdade viciantemente misteriosa e que me seduz. É por isso que me faz sorrir quando sinto o pior de mim a nascer. Mesmo que doa muito faz sorrir, porque estou viva. E sim, estou cansada. Os que me conhecem, os que privam comigo talvez não fazem ideia do que isto acarreta quando me confesso, mas há segredos que só a nós nos pertencem e a quem os souber ler nas entrelinhas.


Escrever sempre foi terapia, um manifesto, uma confissão, um punho em riste, um abraço, um beijo.

E eu sempre fui mais que este corpo que me circunscreve.


De outra forma não seria capaz de explicar sobre as inúmeras vezes que nasci de novo através disto. E acreditem que mesmo que não escreva com a rotina estonteante de antes vou estar a escrever na minha cabeça. O que vivo, o que oiço, o que observo e alguma coisa que dou em troca é, agora e conscientemente, a base da minha matéria-prima para tudo.

Continuo sem saber o que vem por aí, não é que tenha sabido em tempos. Mas há um gosto delicioso no grande ponto de interrogação do trilho. Mudei muito. E se isto não interessar, há tantas janelas por abrir e esta fecha-se num segundo. O meu lugar só a mim me pertence. Mesmo que invisível é meu e
não viro as costas a desafios.

O desafio agora é continuar a escrever o resto da vida.
Seja pelo que for.

Há pouco tempo houve alguém que me disse que a maneira como conversava, as minhas palavras tinham tudo a ver com o que escrevo. Se assim é, deve-se ao espaço que algumas pessoas me dão para que isso suceda. Caso contrário, não há ponta de evidência.

Lá atrás comecei por falar em passado. Onde quer que esteja, tenha a idade que tiver, esteja o mais cansada que estiver... esta será sempre a banda que me acompanhou, que me viu crescer, que me alimentou, que me incutiu alguns valores escondidos. É discurso adolescente e talvez de fã cega. Pois eu digo que não. Tive espaço para renovar um sem número de bandas sonoras, para manter algumas guardadas que tinha descoberto levemente e que agora me fazem todo o sentido. Mas estes senhores, as músicas, as letras, a atitude foram mais do que uma mão e um ombro amigo em épocas restritas. Tudo muda, tudo se renova e se altera, mas nas palavras deles: "I change by not changing at all". É só um aperfeiçoamento. Um grande aperfeiçoamento e um conforto a cada nova vez que se descobre tudo de novo.

Deixo-vos com isto:





Maria*