Já perdi a firme condução das palavras. Fui querendo perdê-la aos poucos para também a tentar surpreender quando a tentasse reaver docemente ou à força. Tenho uma música a servir-me de ambiente sonoro. Está em repetição. Porque posso. Porque quero. Conheço o caminho de olhos fechados e juro que estar febril me ajuda a conhecer os limites do corpo. As palavras não me fugiram e nem me abandonaram. Guardei-as em envelopes, em frascos que tenho junto ao peito e acarinho-as diariamente. De vez em quando vou buscar os fiéis blocos de capa preta e resolvo dialogar com elas, mas depressa me resguardo e julgo não (me) querer ler meses depois daquela forma. A condução do meu corpo também ela mudou. Transformou-se, eu diria.
(a música continua a ser mesma a ambientar-me o quarto)
Acho que consigo enganar o tempo e julgar que venço o avanço das horas. Nunca gostei de relógios de pulso mas se me garantissem que poderia controlar as horas convertia-me em mais um invólucro humano que se dirige todos os dias para o posto de trabalho... de olhos fechados.
Maria Rocha, 2008