domingo, 10 de fevereiro de 2008

Em forma de sono


Já perdi a firme condução das palavras. Fui querendo perdê-la aos poucos para também a tentar surpreender quando a tentasse reaver docemente ou à força. Tenho uma música a servir-me de ambiente sonoro. Está em repetição. Porque posso. Porque quero. Conheço o caminho de olhos fechados e juro que estar febril me ajuda a conhecer os limites do corpo. As palavras não me fugiram e nem me abandonaram. Guardei-as em envelopes, em frascos que tenho junto ao peito e acarinho-as diariamente. De vez em quando vou buscar os fiéis blocos de capa preta e resolvo dialogar com elas, mas depressa me resguardo e julgo não (me) querer ler meses depois daquela forma. A condução do meu corpo também ela mudou. Transformou-se, eu diria.



(a música continua a ser mesma a ambientar-me o quarto)

Acho que consigo enganar o tempo e julgar que venço o avanço das horas. Nunca gostei de relógios de pulso mas se me garantissem que poderia controlar as horas convertia-me em mais um invólucro humano que se dirige todos os dias para o posto de trabalho... de olhos fechados.


Maria Rocha, 2008


MJVV


Quase que se torna uma tarefa indistintamente impossível tentar definir e compreender os fenómenos que nos arrastam e nos transportam para cidades diferentes mas, no entanto, iguais a olho nú. Os edifícios continuam os mesmos, as mesmas paredes tatuadas com desenhos e juras de amor em cores berrantes na tentativa de não serem esquecidas. Confessam-me uma liberdade estonteante a percorrer-nos as veias e os nossos corpos deitados em todos os jardins desta cidade. De dia, com o sol a dar força ao que criamos de cada vez que estamos juntos. E de noite, com as sombras a iluminarem-nos os sorrisos constantes mas sempre inesperados. Imagino cada café, cada rua, cada viagem com os nossos diálogos de filme cómico com a quota certa de drama e que acabam sempre por nunca terminar, nunca cansar. Temos a missão mais séria de sempre nas nossas mãos e só nós sabemos: devolver a Liberdade a quem se cruze connosco. Devemos-lhes isso. Os vestígios que deixamos nas nossas viagens são imensos e não há fronteiras que nos arrumem em cantos.

dedicado

Maria Rocha, 2008

Poema I



és um abraço temporal que pára o universo
sempre que me rondas e que me dizes silêncios
em forma de amor

transformas o dia em noite só para que saiba
melhor este nosso coração partilhado e que
afinal é apenas um

improvisas e povoas os meus dias com poemas
que nunca seriam tão verdade se não tivessem
nascido de ti

se alguém me perguntasse o segredo de tudo isto
convidá-la-ia para viver connosco
durante toda a vida
só assim teria a resposta que (nos) merece

são os teus braços entrelaçados nos meus
que me fazem crer que a mobília do quarto
também nos espera,
nos anseia depois do cansaço das horas

sempre que me vejo ao espelho reconheço
as tuas mãos a tactearem-me o pescoço
como aquela primeira viagem pelo
desconhecido e permaneço com os olhos
fechados esperando que assim que os abra
tu apareças

e se te disser que apareces, que te
transportas de onde estás e que vens
ter comigo sempre que fecho os olhos,
sei que acreditarias mas não to conto

nunca precisarei de desvendar os
segredos que me ofereceste



dedicado

Escrito em Junho de 2007.


Maria Rocha, 2007