terça-feira, 31 de julho de 2007
Letargia
deterioria-me um frio quase pós-polar
talvez pré-anímico
talvez normal mas não me sinto normal
como normalmente.
isto é, creio que depois de me sentir
feito, não me posso sentir assim.
já não me sinto como me sentia
quando as farpas e as garras
me penetravam o suor
e as imagens feitas de doces.
já nem me sinto fraco como
quando sentava
um a seguir
ao outro
pingos de luz envernizada
pelas tábuas das portadas
fechadas sobre aquela cama.
ainda pensei que o cinturão de orion
chegasse para me segurar a mente
mas as calças vão caindo comigo.
já não vejo a imagem disfórica
nem rasgada
nem com aqueles traços irritantes
que me fazem lembrar a guerra
dos mundos
da minha mente e dos meus pulsos.
letárgico
feito pedra por polir.
senta-te aqui
e
ouve as sílabas delicadas
a inverter o choro
poderíamos aprender com elas
o truque dos actores
e encenar um sorriso preenchido
quando sentimos
as costelas a vacilar
contra o coração
se fechares os olhos
verás todas as constelações
demarcadas em cada traço do teu corpo
outsiders - sempre o fomos
haverá guerras em todos os sonos
e haverá farpas que guardaremos
mesmo que nos façam sangrar
sobre a cama, a luz renovada
convidar-te-á a seguir
os pulsos estendidos
que trazem o mapa
que nos salvarão
do sono profundo.
Escrito por: Sérgio Ribeiro e Maria Rocha, 2007
segunda-feira, 30 de julho de 2007
Dispersão
Houve, a dada altura, uma convergência quase sobre-humana que se abriu e intercedeu por entre as fendas do tecto. Não há como o negar. Mas acho que todos os meus passos e todas as minhas falas irão conseguir apenas essa sublimação: uma espécie de encontrão com alguém que venha na direcção oposta. Quanto muito posso propositar o acidente de uma queda e demorar mais esse encontrão, mas não vou conseguir virar as costas ao rumo incerto que sigo.
Esse é só meu.
Se deixasse de me perder não seria eu.
Maria Rocha, 2007
segunda-feira, 9 de julho de 2007
Todas as palavras
lembra-te de todas frases interrompidas que colidiam no mesmo
silêncio desmesurado da cumplicidade dos criminosos
se pudesse estafar-me-ia de sono só para me ocupar de mim
e
arrumava desordenadamente todas as palavras em frascos
para que quando quisesse viajar no tempo o fizesse
sendo mais e maior que o cronológico e invisível relógio
preciso de visitar algumas palavras várias vezes
trazem escondidas segredos dentro de segredos
que são espirais intermináveis como o conhecer alguém
desperdiçaria toda a eternidade a incitar múltiplos
acasos e, se preciso, acidentes mortais
de forma a regressarmos sempre a esta idade inumerável
da qual só se sabe o som soturno das sombras
lembra-te, sobretudo, de todas as palavras que nunca
te vou escrever
Maria Rocha, 2007
quarta-feira, 4 de julho de 2007
Éter
já não me lembro do mapa
e há uma incapacidade de luz
que se despenha contra as paredes ensanguentadas
dos crimes
hoje vou-me deixar guiar por
um estranho conhecido que indicará o número
de passos e a quantidade de inspirações de que
preciso para sobreviver a mais um acidente
já nada terá o seu brilho, a sua inocência
mesmo havendo um cofre cheio de silêncio e de
segredos incendiados
foi uma queda casual e causal
mas ainda assim uma queda que me deixou
com uma galáxia de cicatrizes por todo
o horizonte
os olhos necessitam de pouca luz
para observar todos os partos mais sinceros
que irrompem de todas as direcções, de todas as mãos
nem sempre os astros sonham com (a) eternidade
Maria Rocha, 2007
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