quinta-feira, 12 de março de 2009


Já perdi a conta às vezes que abri esta página para escrever que já nada disto faz sentido, mas depressa me arrependia por achar aqui um quarto seguro a que podia regressar e onde podia escrevinhar depressa ou devagar, mal ou bem, com ou sem raiva nas suas paredes. Fi-lo demasiadas vezes ou talvez o oposto. Não sei e acho que nunca vou saber. Como o porquê de guardar os resquícios de uma peça começada há seis anos e recomeçada há três e saber que não a vou terminar. Como saber que são estes acessos que me permitem resgatar alguma lucidez no meio desta confusão em que me enterro juntamente com as minhas palavras. Escrever sempre me deu liberdade, continua a dar, como agora, mas esta liberdade já foi pensada e repensada mil vezes e precisa-se urgentemente que seja inesperada e simples. Podia falar em sorte, podia fazer uma espécie de curta ou talvez mesmo uma longa-metragem com as conversas, com os discursos que já partilhei com um par de almas que permanecem de uma maneira ou de outra no meu trilho até hoje, sem esforço. Podia e quem sabe, num futuro distante consiga fazê-lo. Dar-me ao prazer de terminar algo, como faço agora. Então, é um olá a quem chegou agora aqui e um adeus a quem me leu a crescer.



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todos os vícios e todas as palavras suas filhas
são incapazes de se consumirem
seria como uma cobra morder a sua própria língua
sabe que os mais fortes são feitos do mesmo que os outros
e nós somos os Deuses de todos os vícios
fazemos parte dos que já esquecem o que é o Bem
mas que trazem todo o Mal em cada viagem

as mãos e todos os gestos passam pela liberdade
e sabemos que tudo o que somos está destinado
à corrupção do corpo enquanto a mente vai lutando
gravemente entre a cedência lenta e todo o gesto
mais asfixiante

as cores vão perdendo a essência
e vamos ficando cegos com os anos

e daríamos uns bons cadáveres
se morrêssemos jovens
e talvez ninguém descobrisse
que tal como não fazemos falta agora
também nunca iríamos faltar a ninguém


Onde a noite acaba, Outubro de 2005

Clandestinos, II



Tenho ideia de que o que está escrito no tal guardanapo de papel era qualquer coisa que me fez suster a respiração na altura em que o escrevinhava. Lembro-me das sombras do espaço que nos acolhia. Lembro-me de pensar "o que é que eu vou ser?" e "será que vou marcar a vida de alguém?". Lembro-me de descobrir os miradouros com os passos silenciosos de quem descobre e redescobre tesouros amnésicos. Era tudo demasiadamente simples e eu mal sabia avaliar essa simplicidade. E porque se trata de uma restrospectiva, lembro-me das conversas com o João, das conversas de quarto com a Rosa e do seu sotão, dos cafés e cigarros da Joana. Lembro-me de me sentir francamente feliz quando sabia que nos íamos juntar e fazer nascer algo novo. Lembro-me exactamente do que vestia quando rumámos ao Santiago Alquimista e eu e a Joana, pequeninas como permanecemos, nos acomodámos junto ao palco e lembro-me de me sentir prestes a agarrar o mundo com uma mão e soltá-lo com a outra. É sempre assim. Sempre foi. Mas agora com mais destreza. Eu não quero e nem preciso de existir para existir. E sim, lembro-me da voz do Miguel, da guitarra do Pedro e daquelas pessoas com mais de vinte anos que me pareciam tão adultas. Agora, a caminhar para a mesma idade que eles tinham então, sinto que regressar àquelas paredes, àquelas pedras que me ampararam tantas quedas é regressar ao regaço de uma mãe carinhosa cujo perfil é discreto. Eu sei que vou passar naquelas ruas muitas vezes e sei que vou ter de parar, olhar para cima, fechar os olhos, inspirar e sorrir porque cresci. E as dores do crescimento têm sido clandestinas. Nunca as incluo em listas, em lembranças ou apontamentos. Estão, a maior parte das vezes, camufladas por tantas outras coisas que, honestamente, não me chateiam nada. Mas é assim mesmo. Pega-se no mais fraco de nós e tenta-se enfiar para dentro da mala.


(por uma vez que fosse gostava de começar sem ter de me preocupar com isto. este espaço por ocupar que abre o caminho. porque, na verdade, não me preocupo. lá para o meio do que quer que venha a surgir já não interessa como comecei. não há grandes revisões. só muito mais tarde é que tiro a folha magoada de tinta de dentro do bolso. houve uma vez que me esqueci dela dentro do bolso das calças. quando a salvei não havia nada a salvar. na verdade, não sei nada sobre o que é ou não verdade. oscilo muito entre umas linhas que julgo serem paralelas. assusta-me saber o rumo das frases e pé antepé adivinhar o desfecho mesmo que seja eu a escrevê-lo. acho que acreditava estoicamente que falavam através de mim, que a minha alma era o transporte para todos os mudos, os diletantes. nunca eu conseguindo ser um.)

sexta-feira, 6 de março de 2009

Notas para o caderno vermelho



A primeira coisa que tenho a dizer-te é que me fizeste pegar na caneta e isso vale muito. Não tanto como tu. E eu podia guardar isto para o final, mas não quero que ele chegue, lembras-te? Às vezes tenho medo de não conseguir dar suficientemente, de não conseguir sentir. Mas depois apareces, transportas-me para ruas, cidades e países paralelos e melhorados. Esqueço-me de todos os que estão à nossa volta e concentro-me sem esforço algum no que estamos a criar. Uma simples gota de água na cara, um guardanapo de papel podem e têm um efeito imenso sobre as nossas acções, sobre os nossos risos. E eu já não sei o que é sorrir sem ter o teu eco abraçado ao meu. E estou-me nas tintas... a grande velocidade e cada vez mais longe sempre que me agarras na mão, sempre que me beijas a testa e me dizes que vai tudo ficar bem porque sabes que peço ajuda quando mais ninguém sabe. É isto. É andar de carro contigo, convosco e perceber que fazemos parte da estrada, que estamos em andamento e que só vemos o escuro do alcatrão, as luzes nocturnas e o branco que divide as faixas. É ligar o rádio, aumentar o volume e cantar sem ter medo de desafinar, saber que sempre se soube a letra daquela música e perceber naquele momento o porquê de a saber. E esqueço-me de que estou a cantar, porque, estou a sentir. É passar a saída para casa e percorrer mais um pouco da cidade e não nos importarmos com as horas, com a temperatura, com absolutamente mais nada. É encontrar beleza em coisas pequenas e engrandecê-las com a nossa presença. Porque ao sermos melhores fazemos dos outros melhores. É saber que somos um bocadinho adultos mas que ainda sabemos abraçar, que estamos sozinhos mas nem sempre precisamos de estar. É ter-te aqui comigo sempre e mesmo assim sentir a tua falta. É saber que posso chorar e que vou ter o teu regaço pronto para me amparar. É fazer promessas e saber que as vamos cumprir e ter saudades do que se acabou de viver.


É o meu amor que é teu.


dedicado

quarta-feira, 4 de março de 2009





"Ainda agora tinha tudo sabido, mas há sempre uma nova lição..."




Pluto